quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O “BOTA-ABAIXO”

Perambulando como quem não quer pela Cinelândia e adjacências bem por ali contemplando o falecido Palácio Monroe cuja demolição foi mais um crime contra essa maltratada cidade andando por lá e por cá por entre ruínas do Morro do Castelo pensando nos desocupados desalojados nos miseráveis nos desfavorecidos nos desvalidos da sorte removidos pela reforma urbana do prefeito Pereira Passos demarcando um outro espaço social um status segregado um direito separado na geografia urbana da cidade reforma que não significava apenas a derrubada de trapiches cortiços e estalagens nem o saneamento de vielas valas e becos de uma insalubre cidade colonial mas que representava antes a mão pesada de um poder autoritário que legislava para coagir e arbitrava para segregar.

Desocupados? Miseráveis? Desfavorecidos? Desvalidos da sorte? O prefeito “Bota-Abaixo” remove mascates e meirinhos, cesteiros, tanoeiros, tropeiros e garrafeiros; remove barbeiros, tamanqueiros, peixeiros, trapicheiros e vassoureiros; mequetrefes, almocreves e magarefes; remove pretos do Benim e caboclos de Angola, crioulos do Daomé, Nigéria, Sudão e Congo; remove negos mina, fon e malês, bantos, nagôs e cambinda – Zés, Joões e Marias –; remove babalaôs e ialorixás, abarés, iaôs e abiãs; mandingueiras Nagô, rezadeiras Banto, benzedeiras Ioruba e parteiras ibô; filhos de Oxalá, pai de todos, de Xangô, guerreiro da flecha e do machado, e de Oxum, sua esposa, a que tudo sabe e tudo vê; remove filhos de Iemanjá, Rainha das Águas, e de Iansã, Senhora dos Ventos; remove filhos de Oxóssi, Rei das Matas, de Ogum-Delê, Senhor da Guerra e de Exu-Bará, Dono do Fogo; remove ex-mucamas, ex-escravos e ex-guerreiros: Aimoré, Guarani, Tupinambá e Tupiniquim, Xavante, Tamoio e Tupi; remove ex-combatentes e ex-voluntários, veteranos do Paraguai, Tuiuti e Canudos; remove prostitutas de Moçambique - negrinhas, moreninhas e branquinhas - e meretrizes polacas - Margôs, Mimis e Georgetes -, mulheres de vida fácil, outras nem tanto; remove Senhoras do Pastoril, Imperadores do Divino, Foliões do Rancho e Fogueteiros do Corso, Cantadores do Jongo, da Congada e do Maracatu; Tocadores de Bumbo e Tamboril, Violeiros do Maxixe, da Modinha e do Lundu, Mestres de Gafieira, do Fandango e do Corta-Jaca; remove comadres e compadres, carpideiras e rezadeiras, baianas do Bonfim, beatas do coração de Maria, devotas de Nossa Senhora da Aparecida, do Carmo, da Ajuda, de Fátima, das Graças e das Dores; remove vagabundos, marginais e mendigos, bêbados mais e bêbados menos; remove malandros, capoeiras, fulanos, cicranos e beltranos; remove galegos e mazombos, ciganos, judeus e gentios, turcos e carcamanos, mal-empregados, desocupados e remediados, uns simpáticos, uns antipáticos, uns letrados, uns não; remove soldados, marinheiros, taifeiros, praças e estafetas; remove monarquistas, positivistas, anarquistas, socialistas e maximalistas; remove esses mestiços, esses mulatos e esses cafuzos; esses pardos e esses pobres, esses aqui, esses aí e esses ali; esses uns e esses isso, essa malta, essa arraia miúda, essa gente sem rosto, sem posto, sem nome nem sobrenome – sem eira nem beira – e que já vinham, desde 1897, transformando o morro da Providência numa favela de humilhados e deserdados cujos frutos, amargos e violentos, amadurecem hoje.

Perplexo e exausto, sentei no “Amarelinho” e pedi um chope bem gelado.

Obs: A redação desse texto foi influenciada pelo livro “Viva o povo brasileiro” de João Ubaldo Ribeiro, e seu estilo por Jack Kerouac, que defendia uma escrita livre, como um fluxo contínuo de palavras, sem pontos, vírgulas etc. Antes dele, James Joyce já havia feito isso, como se pode ver no final de Ulisses com o maravilhoso monólogo de Molly Bloon. (Bem já que sei que você não vai ter saco para ler o livro- ninguém, sem sã consciência tem... -, aí vai a parte final desse monólogo: (...) eu moçinha onde eu era uma flor da montanha sim quando eu punha a rosa em minha cabeleira como as garotas andaluzas costumavam ou devo usar uma vermelha sim e como ele me beijou contra a muralha mourisca e eu pensei tão bem a ela como a outro e então eu pedi a ele com os meu olhos para pedir de novo sim e então ele me pediu quereria eu sim dizer sim minha flor da montanha e primeiro eu pus os meus braços em tono dele sim e eu puxei ele pra baixo pra mim para ele poder sentir meus peitos todos perfumes sim o coração dele batia como louco e sim eu disse sim eu quero Sims).

2 comentários:

  1. Luiz, muito bonito. Não sei se precisava explicar as influências, você não precisa de justificativas. Essa remoção em massa foi completada com a retirada do Morro do Castelo, que representa hoje no seu cume zen toda essa gente que vc descreve acima.

    Um abraço,
    Georges

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  2. style...


    (esse comentário só você vai entender. é segredo de pai-com-filho-e-filho-com-pai)

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